RESTAURANTES HISTÓRICOS
A gastronomia cearense como patrimônio do Centro de Fortaleza
Comida, história e economia
A culinária cearense é famosa em todo país pelas misturas inusitadas e saborosas. Os pratos que contam a história da região, que teve influência portuguesa, indígena e africana. A culinária foi uma maneira que sertanejo cearense encontrou de se adaptar às dificuldades climáticas e econômicas do início do século. Iguarias como baião de dois, carne do sol, buchada, doce de leite, etc mostram como a criatividade culinária elevou a qualidade da gastronomia regional.
Em Fortaleza, segundo os registros da Junta Comercial do Ceará (JUCEC), são 6.692 restaurantes registrados que movimentam os setores de serviços e turismo. As empresas não só crescem em números como na qualificação de profissionais, contribuindo para o crescimento gastronômico do Ceará. Os mais famosos, não por acaso, estão localizados nos pontos históricos mais visitados da cidade.
A Praça do Ferreira é um desses locais, que desde 1871 faz parte da rotina do centro da cidade. No século passado seus quiosques, cafés e restaurantes foram espaços usados pelos intelectuais para debater e criar movimentos. A agremiação literária conhecida como Padaria Espiritual foi uma dessas ações onde as reuniões aconteciam no antigo Café Java e acabaram implantando os primeiros movimentos modernos do estado.
Atualmente muitas coisas mudaram no local, mas ainda existem alguns negócios que sobreviveram ao tempo e são uma tradição da culinária fortalezense. Entrevistamos os responsáveis pelo restaurante L’escale e pela Leão do Sul que fazem parte da rotina dos frequentadores do centro e ainda contam a história do Ceará no início do século através de seus prédios históricos.
Leão do Sul: História de Tradição
“Ir no centro e não ir na Leão do Sul é como ir à Roma e não ver o papa”
Aghata Carvalho, cliente
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A Leão do Sul foi fundada em 1926 pelo “Seu Silva”, descendente de português que trazia mercadorias do "sul" para Fortaleza. O curioso nome surgiu porque ele dominava o centro e se intitulou “leão” e com a junção dos nomes, a Leão do Sul estava fundada. O local permaneceu com ele até a década de 1940 quando foi vendido para o “Seu Dimas”, que ficou no comando da loja até meados de 1980.
A partir de negociações, o local foi vendido para a família Dantas na década de 1980 e até hoje ela permanece como dona da Leão do Sul, há 36 anos. E durante todo esse tempo, apesar de muitas vezes ser confundida com a Pastelaria do Japonês, ela reside no mesmo local de sua fundação.
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O caminho do pastel
Os pastéis vendidos vinham diretamente da Praça das Crianças de bicicleta e devido à distância, chegavam frios. Atualmente, com as reformas feitas no local ao longo dos anos, os pastéis e o caldo de cana são feitos no local e desde aquela época a qualidade é a mesma. Além do tradicional sabor de carne, ao longo dos anos foram adicionados os sabores frango e queijo, que segundo Fernando é diferenciado pois não leva muito soro e sal, tornando-se mais balanceado já que a clientela é em maior parte terceira idade. A Leão do Sul é conhecida como um local de tradições. Os pais levam os filhos, que levam os netos e assim se mantêm a tradição do restaurante.
Com o tempo, a circulação de pessoas na Praça do Ferreira aumentou consideravelmente e o local se transformou em um dos maiores centros comerciais de Fortaleza. O lixo foi uma das principais consequências dessas mudanças, em vários pontos da Praça é possível notar a falta de preservação do ambiente, que acumula entulhos e mal cheiro. A sensação de insegurança é outro fator que atrapalha os empresários, como explica Fernando “se você passar pela Praça do Ferreira, você vai ver vários moradores de rua deitados no chão, fumando, bebendo, então assim, o nosso público diminuiu mais porque têm medo de vir no Centro por causa disso”, afirmou.
Mesmo com esses pontos o local é muito visitado por artistas, além de turistas de outros estados que chegam por recomendação de outras pessoas. E assim a tradição se mantêm ao longo de gerações.
Uma grande frequentadora, Aghata Carvalho visita a Leão do Sul desde criança, quando o local ainda era modesto se comparado ao que ele é hoje. Mas já na década de 60 a Leão do Sul era conhecida e altamente frequentada como ela própria diz.
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Frequentadora do local desde os 5 anos, ela conta que um dos maiores programas na infância era passear no Parque da Criança com a mãe e a tia. Mas qualquer ida ao centro era motivo para a parada obrigatória no local, que na época era o ponto mais requisitado da Praça do Ferreira.
Ela conta que apesar de pequeno e apertado, o movimento sempre foi intenso e como o gerente destacou, os pastéis eram frios devido o trajeto que eles faziam até chegar à loja, mas ela ressalta que o caldo de cana já era feito lá. E até hoje o local pra ela é sinônimo de tradição, onde ela era levada pela mãe e agora leva a filha.
L'escale: um salão histórico
Com mais de 30 anos de existência, o L'escale conta com oito sedes localizadas no centro da cidade. A que atende o self-service é a mais histórica e representativa para o negócio, ela se localizada em um salão de festa do século XIX, que segundo os proprietários chamou a atenção desde do inicio pela beleza e por unir ainda mais o restaurante com a história da cidade. Segundo a gerente do estabelecimento, Eugênia, o lugar possui uma grande circulação de pessoas e uma imponência que desperta a curiosidade dos clientes. Ela relatou como surgiu a iniciativa de abrir o negócio e como a marca se estabeleceu no mercado, acompanhe o relato no podcast abaixo.
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O principal público são os frequentadores da região, mas o espaço atrai também muitos turistas. “Nossa maior divulgação é feita pelo boca a boca, sempre vem bastante turista que recebeu indicações e eles ficam maravilhados com a estrutura do salão”, afirmou a gerente.
Apesar do sucesso, os restaurantes do centro vem sendo prejudicados pela insegurança e falta de limpeza dos espaços. "Hoje vemos o centro muito sujo, é cada vez mais comum se deparar com o lixo e mal cheiro, mesmo falando com as autoridades responsáveis não há uma mudança e isso prejudica a relação das pessoas com o centro", finalizou Eugênia.
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As representações culturais de uma comunidade passa por sua mesa. A culinária é um patrimônio imaterial que traduz a identidade dos povos, é a manifestação da memória e da história numa atividade nem sempre valorizada pela sociedade mas que ajuda no entendimento do passado. O Ceará é um dos maiores representantes da boa mesa, os restaurantes ajudam a contar sobre uma história muitas vezes desconhecida, mas que se insere diariamente no cotidiano das pessoas.
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O estudante universitário e frequentador do L’escale Daniel Rocha falou sobre sua relação com o ambiente e quais as contribuições de manter o prédio histórico em atividade. “O restaurante atrai pela arquitetura, todo o cenário me remete há uma Fortaleza de 1920, principalmente por se localizar no Centro, acaba criando essa sensação de volta ao tempo conservando nossas raízes históricas como cearenses”, declarou o frequentador.
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